1° LUGAR – PROSA ESTUDANTIL – CONTO – ESPECIAL OURO BRANCO - COLÉGIO BATISTA MINEIRO UNIDADE OURO BRANCO – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

 O tilintar da água 

Nicole Lopes Kunzmann

Tudo que se ouvia eram gritos revoltados e cada vez mais altos. Aquela voz que todos escutavam cantar melodicamente aos domingos agora parecia alucinada. O sino que badalava todos os dias fielmente às seis horas, naquele dia nada se ouvira. Os companheiros daquela pessoa de vestes pretas no alto da torre há muito tempo haviam partido por medo do dilúvio, mas seus ideais e sua fé fizeram-no permanecer. Ele diria que tudo mudou quando viu aquilo em que acreditou ser inundado, entretanto a voz que cantou e gritou agora não saia mais. 

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O mês de outubro se encerrava e a tranquila cidade de Ouro Branco, assim como o resto do país, sofria com a crise hídrica. Mesmo na primavera, as temperaturas subiam e, cada vez mais, o nível dos corpos d’água baixava. Como uma colomba que ao ser cortada revela o menino Jesus, surpresas emergiram naqueles tempos de crise. A lagoa que há muito tempo era um marco da paisagem local, revelou uma construção desconhecida para muitos, mas os que se lembravam do antigo mosteiro começaram a contar uma lenda. 

A missa daquele domingo de manhã se iniciaria em meia hora quando Ângelo chegou para iniciar seus afazeres. O garoto que era coroinha adorava ir à igreja, pois era um momento para encontrar seus amigos que estavam na mesma função. Miguel, o último dos garotos a se juntar ao grupo, já que recentemente havia se mudado para morar com os avós, chamou os demais amigos para que se reunissem em sua casa após a celebração, prometendo compartilhar informações importantes. Os irmãos Enrico e Matias, que completavam o quarteto, logo concordaram se animando com a ideia, já que os encontros do grupo eram sempre um bom momento. 

Por ser o mais velho entre os colegas, mesmo que só alguns dias, Ângelo sempre tomava a frente das situações, até mesmo se tratando da organização da celebração para que saíssem mais cedo. Assim que seus serviços se encerraram, os meninos foram conduzidos pelo avô de Miguel até sua casa. A residência de dois andares que tinha as paredes externas pintadas de amarelo e um jardim florido que era cuidado diariamente se localizava próxima à igreja, então, durante o caminho, todos conversaram apenas sobre os acontecimentos mais marcantes de sua semana. 

Ao entrarem na casa repleta de fotos de família nas paredes, foram recebidos calorosamente pela avó do jovem, que rapidamente os colocou na mesa para almoçar, alegando que, como eram novos, precisavam se alimentar bem para possuir energia. No fim da refeição, Enrico chamou a atenção de

seus amigos para um pássaro no quintal, fazendo com que todos se direcionassem para a área externa da casa, essa que contava com uma grande área verde e uma horta mais ao fundo. Quando todos os pássaros foram embora, Matias recordou os outros da informação que o amigo havia prometido contar, provocando grande curiosidade em Ângelo, que pressentia uma aventura. 

Miguel começou perguntando se seus amigos haviam visto o que tinha ocorrido na lagoa local devido ao tempo de seca, Enrico rapidamente indagou se ele estava falando do mosteiro que havia emergido, sendo completado pelo irmão mais novo que disse ter visto o assunto no jornal. Matias completou sua fala afirmando ter ouvido alguém dizer na igreja que aquele local era assombrado e que a seca traria consequências diferentes do esperado. 

Muito interessado no assunto, Ângelo pediu que Miguel continuasse e explicasse por que estava falando sobre a seca. O amigo então retomou sua fala, contando aos demais dos detalhes da lenda contada por seu avô na noite anterior. Explicou que a área havia sido alagada para resfriar a siderúrgica que havia se instalado na cidade, e que, quando a vila que ali ficava foi evacuada, um Padre se recusou a sair do local, afirmando que não podia deixar o que havia iniciado para trás, e que ele superaria todas as provações, retornando futuramente. Então o mosteiro foi alagado com o Padre em seu interior, e, a partir desse momento, as margens da lagoa começaram a ser assombradas. 

Enrico se assustou com a história, ficando confuso com o que estava acontecendo, já Matias entendeu que a lenda contava com um mistério, até mesmo uma profecia entorno do Padre. Assim, o mais velho do grupo entendeu onde o colega queria chegar, e não podia esperar para a aventura. Quando Ângelo propôs a investigação, Miguel teve certeza de que o amigo havia entendido sua ideia e logo concordou com a aventura, Enrico ficou receoso, mas seu irmão também parecia animado, então teve que concordar e os planejamentos começaram. Matias lembrou que deveriam começar sua busca na biblioteca da cidade depois da aula do dia seguinte, e então seguir sua investigação para entender o que a figura emblemática queria dizer. 

No dia seguinte, reunidos, os meninos se direcionaram para o antigo casarão, que marcava a história da cidade e mostrava como a cidade se renovava sem perder seu passado ao longo de seus 290 anos de história, a Biblioteca Municipal. Direcionando-se ao atendente, Ângelo questionou se havia algum documento referente ao antigo mosteiro de que estavam falando pela cidade, e mesmo achando estranho, o funcionário os entregou uma caixa com tudo que possuía referente ao assunto. Vasculhando aquelas antiguidades não encontraram nada muito interessante, a maioria dos documentos era sobre as pessoas que passavam pelo lugar e celebrações que ocorreram, porém mais ao fundo da caixa Miguel encontrou algo que lhe pareceu promissor.

Um pequeno papel já muito desgastado devido ao tempo guardava o que parecia para os meninos um conjunto de vários desenhos, mas depois de muito tempo observando, Enrico percebeu que se tratava de um código. A nova descoberta os animava, porém nenhum sabia como decifrar aquela informação, assim o papel ficou com os irmãos, que se tornaram responsáveis por desvendar aquele mistério. Durante a semana, pesquisaram e tentaram todos os códigos conhecidos, porém apenas na manhã do sábado, ao usar um livro antigo que seu pai havia herdado, Matias conseguiu decifrar a cifra maçônica. A escolha de tal código surpreendeu o garoto, porém a mensagem trazida era ainda mais enigmática. "Ego sum custos templi sancti! Usque in diem reditus observare debeo!". A frase em latim assustou o jovem, mas estava acostumado a ver textos naquela antiga língua na igreja, então a tradução não foi trabalhosa. Com a mensagem em mãos, contatou os colegas e logo todos se reuniram na casa dos irmãos. 

Ângelo estava ansioso, então se apressou para ler a mensagem que o amigo havia mostrado para todos, e a frase "Eu sou o guardião do templo sagrado! Devo guardá-lo até o dia do retorno!", embora assustadora, animou o quarteto. Tamanha animação fez com que Miguel propusesse que naquele mesmo dia fossem acampar perto da lagoa, para ver se durante a noite a figura do Padre apareceria e explicasse o significado de tudo aquilo para eles. Durante a tarde, os preparativos foram feitos e muito foi conspirado na cabeça dos meninos. Sua hipótese mais forte se relacionava com os ideais dos inventores da cifra usada, então acreditavam que o retorno mencionado era de seu salvador, entretanto não podiam descartar a possibilidade de que o Padre fosse quem realmente iria regressar. 

Com o cair da noite e todos os preparativos prontos, os meninos saíram de suas casas afirmando que passariam a noite com os colegas e se direcionaram para a lagoa esperando uma aventura. Enrico estava receoso, mas o mistério e as possibilidades faziam-no continuar. Quando a barraca já estava montada e os jovens acomodados, Matias revelou que em suas pesquisas precisou regressar a biblioteca, e o atendente que os havia ajudado anteriormente o entregou um livro, parecido com um diário, que pertencia a alguém do mosteiro. Tal fato despertou a curiosidade dos garotos e a leitura foi iniciada por Ângelo. Miguel o ajudava a decodificar e a cada página percebiam que aqueles papéis guardavam histórias diferentes do esperado e o diário parecia muito mais um manual ou tratado, mostrando o que o Padre realmente pretendia. Quando chegaram ao final do livro, um barulho que parecia vir da lagoa foi ouvido pelos jovens. 

Tudo parecia fantástico e as descobertas os fizeram acreditar que precisavam sair e se juntar aos ideais perdidos. Enrico não tinha mais dúvidas e Matias estava esperançoso. A aproximação dos meninos ao barulho foi rápida, e quanto mais mergulhavam em suas ideias, mais o som aumentava. O

ruído os fazia se lembrar da igreja, e naquela noite, a última coisa que ouviram foi o tilintar de um sino. 

As estações mudaram, e mesmo que nove verões haviam se passado, o caso de desaparecimento dos meninos na tranquila cidade de Ouro Branco continuava um mistério. O que era perfeito para a recém-empregada jornalista Kátia Kim, ou Kate como preferia ser chamada, que sonhava em trabalhar com investigações e estava desesperada por um furo após seus últimos trabalhos não renderem o fruto esperado. Ao conhecer a história através da amiga de sua avó, decidiu imediatamente ir para a cidade iniciar a investigação do que acreditava ser o caso que ia alavancar sua carreira. Acompanhada de sua amiga e colega de trabalho, Ângela Almeida, Kate pegou a estrada na direção da cidade que estava prestes a completar seu tricentenário, esperando encontrar uma solução para o caso, e outra para sua carreira. 

Ao chegar à frente do endereço entregue por sua avó, a jovem se encantou com a casa amarela de belo jardim, e sua amiga que a acompanhava para fotografar todo o processo usou da oportunidade para iniciar seu registro. A porta se abriu e uma senhora de feições simpáticas veio recebê-las, se apresentando. Kate logo descobriu todas as informações que os moradores tinham sobre o desaparecimento de Ângelo, que curiosamente tinha o nome semelhante ao da amiga, Miguel, que era neto da senhora com quem conversava, e os irmãos Enrico e Matias. 

Os detalhes do caso chocaram a jovem, devido à rapidez com que tudo ocorreu, e a conspiração que foi criada pelos meninos terem desaparecido perto do mosteiro assombrado, em primeiro de novembro. Para Ângela, as histórias locais surpreendam, já, as fotos dos jovens e todos os pertences que haviam sido recuperados traziam melancolia. A polícia da cidade havia feito esforços para encontrar os garotos, porém não havia muito a ser feito depois que seus objetos foram encontrados na beira da lagoa e devolvidos aos seus familiares. 

Após o café com a senhora, Kate e sua amiga foram para a lagoa, esperando encontrar alguma pista e para tirarem fotos para a matéria. A beleza do corpo d’água surpreendeu a jornalista, e a energia do local a fazia pensar nos ideais de que a lenda tanto falava e como aquilo poderia ter ligação com os meninos. Porém os esforços das jovens não trouxeram resultados, tornando o primeiro dia de investigação frustrante para as garotas. 

Os dias se passaram, as respostas que Kate buscava não aparentavam aparecer tão cedo. A jovem continuava confusa, sem entender o que aconteceu naquela fatídica noite após os meninos se reunirem na barraca, e qual a ligação entre o acontecimento e o Padre mencionado na lenda. Em uma manhã, quando as esperanças estavam se esgotando, Ângela sugeriu que elas

procurassem à família dos outros meninos, e nessa ocasião as pistas começaram a surgir. 

A casa de Ângelo foi a primeira a ser visitada, os pais do garoto não tiveram muito a dizer além de que seu filho era um bom garoto, muito próximo dos demais que desapareceram e que adorava seu tempo na Igreja com os amigos. No retorno à casa de Miguel, as jovens conseguiram reafirmar os fatos com a avó do garoto e encontrar esperança de que a busca traria resultado, pois a senhora demonstrava ter uma crença em seu potencial que as impulsionava. Ao chegarem à última casa, em que moravam Enrico e Matias, não sabiam o que esperar, entretanto a conclusão do mistério se iniciou ao conhecerem o livro deixado pelos meninos. 

Depois de muito esforço, e a ajuda de sua amiga, Kate chegou a mesma conclusão dos meninos e conseguiu desvendar o que estava escrito no livro. Os ideais do Padre começaram a fazer sentido, e tudo que havia acontecido naquela noite do desaparecimento era lúcido na cabeça de Kate, mesmo que ela não estivesse lá. Em busca de sua matéria de sucesso, a jovem se direcionou às pressas para a lagoa, pois sabia que o caso completara dez anos e três dias, e que nesse momento ele se findaria. 

A escuridão do céu confirmava tudo para Kate, a jornalista viu seu futuro surgir naquelas águas, com a mesma convicção que as pessoas sentiam de que sonhos haviam sido afogados na mesma lagoa. Como um trevo de quatro folhas que marcava a sorte da jovem, quatro silhuetas de jovens meninos surgiram naquela noite. Se antes não acreditava nas propriedades de cura e preservação da água, agora via a prova viva de que pessoas poderiam ser preservadas como fotos dentro do líquido. 

A conclusão de um mistério é sempre lembrada, e o fim escrito por Kate nas páginas de um jornal marcara a jovem. Nunca foi imaginado por ninguém na cidade que a situação dos meninos seria aquela, e que uma jovem jornalista encontraria quatro tesouros perdidos em uma lagoa usando apenas um livro. A fé transforma todos diariamente, e os registros de Ângela ao fim da reportagem confirmaram a crença do antigo Padre de que um retorno ocorreria naquelas águas. Já que no fim de tudo as vestes pretas não eram mais vistas com o badalar do sino, ao invés delas um quarteto de branco voltou a ser visto todo domingo na igreja, como ocorria há dez anos.


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