5° LUGAR – PROSA NACIONAL – CONTO – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

  O tempo é um demônio zombeteiro

André Luís Soares - Guarapari/ES

Durante longos anos, ainda na adolescência, quando eu era leitor compulsivo, desses que devoram até os obituários dos classificados de jornal, uma coisa que sempre me intrigava era a tal Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. 

No entanto, por mais que aprofundasse nesse estudo, demorei horrores até vislumbrar alguma mínima compreensão acerca do tema. Empiricamente, sempre me chamou a atenção o fato de que, supostamente, quando algo muito bom está programado para acontecer – digamos, daqui a dois dias, tem-se a impressão de que leva anos até chegar à data tão esperada. Na mesma proporção – mas, em sentido inverso –, quando algo muito ruim está previsto para daqui a um mês, por exemplo, as horas parecem enveredar por atalhos, nos quais furacões rasgam, com violência, as folhas do calendário e aí, num piscar de olhos, alcança-se o dia tenebroso. 

Cheguei a tais premissas não por meio da literatura acadêmica, mas sim pela prática.  Desde sempre sofro de aicnofobia – medo exacerbado de agulhas. Então, qualquer ocasião em que tenha que tomar injeção ou tirar sangue transforma-se em filme de terror para mim. E isso voltou a acontecer neste mês.  

Tendo que fazer um check-up para avaliar a saúde após a pandemia, o cardiologista solicitou exame de sangue, entre tantos outros. Aí começou minha saga. De início, adiei para uma semana, como estratégia para preparar melhor o espírito. Porém, em um passe de mágica, a semana simplesmente voou. Pela manhã, ainda em jejum, fui até o laboratório – a pé, para demorar mais. Contudo, pareceu que, se tivesse ido num jato da Força Aérea, não teria sido mais 

rápido. Já à porta do local – um prédio antigo, com tijolos feios –, minha coragem foi tragada por algum gigantesco buraco negro. A atendente, tendo detectado o pavor estampado em meu semblante, olhava-me por cima, irônica, visivelmente pondo em dúvida minha masculinidade.  Envergonhado, voltei pra casa e telefonei para outra clínica, adiando o exame em mais uma semana. 

Novamente Cronos – esse ladrão incansável e debochado –, em uma única mexida na agenda, subtraiu-me sete dias, colocando-me outra vez frente ao meu maior dilema. Desta feita, decidi ludibriar o tempo, usando-o em meu favor. Minha estratégia consistia em, no instante em que me sentasse na saleta do hemograma, colocar o fone de ouvidos, conectado ao celular, já devidamente programado para tocar uma canção psicodélica do Pink Floyd. O objetivo era, de olhos fechados e sem ouvir os agonizantes ruídos metálicos da bandeja cirúrgica, mergulhar nos elevados acordes da guitarra de David Gilmour, durante aquele lapso temporal em que a bela e cruel mocinha espetava meu braço – com prazer. 

Ledo engano. Foi aí que, definitivamente, confirmei meu entendimento da Teoria da Relatividade. A coleta, que – em tese – não ultrapassaria um minuto, soou mais longa que Shine on You Crazy Diamond. Quando, enfim, após leve toque no ombro, fui avisado que o suplício terminara, eu me sentia um ancião impotente, carcomido por artrose e Alzheimer. Até precisei de ajuda para me levantar da cadeira. 

De volta à rua respirei fundo, para recuperar a calma e a dignidade. Uma vibração no bolso esquerdo da jaqueta – que cheguei a pensar ser infarto – indicou que eu recebera um e-mail. Conferi: era o tribunal de pequenas causas, avisando que, em aproximadamente trinta dias úteis, será depositada, em minha conta bancária, indenização resultante do processo movido contra a companhia telefônica. Não é lá grande coisa. Porém, dinheiro que entra é sempre bom. 

O problema é que, agora, enquanto espero o referido pagamento, o relógio se arrasta gosmento, tal uma lesma lânguida, obesa e sonolenta. É... Einstein estava coberto de razão: o tempo é relativo – tem curvas, vai e volta. Prova disso é que escrevi esta crônica, antes mesmo de ir fazer a coleta de sangue – não sem antes remarcá-la outras duas vezes...

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