4° LUGAR – PROSA INTERNACIONAL – CONTO – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

Moisés

Edweine Loureiro da Silva  Saitama - Japão


― Teu irmão!... Teu irmão chegou! 

Moisés levantou-se da cama e, ainda atordoado, buscou a primeira camisa que encontrou. Em seguida, com as mãos trêmulas, pegou a faca que guardara, durante toda a noite, debaixo do travesseiro.
Cada retorno de Carlos era sinônimo de terror na casa de dona Maria. Ladrão, viciado em todo tipo de drogas, Carlos era um problema também no bairro de Santo Antônio, localizado na periferia de Manaus. A mãe, por sua vez, já havia perdido as contas de quantas vezes já havia implorado, ajoelhada, para que Deus levasse de vez aquele filho que, ela não entendia por quê, era uma semente tão ruim. 

Deus não o levara, mas a polícia, sim. E em várias ocasiões até. A superlotação das celas, porém, logo o devolvia às ruas. E a primeira coisa que fazia, ao chegar em casa, era agredir a mãe e o irmão caçula, Moisés.
― Gayzinho!

Palavras seguidas de um soco que, não raras vezes, deixavam o irmão desacordado. E Carlos somente não terminava o serviço talvez pela possibilidade de seguir torturando o irmão menor, por quem nutria um inexplicável ódio. Em sua mente vitimista, sempre achara que Moisés era o único a receber o carinho da mãe ― numa família em que o pai os abandonara ainda muito pequenos. Pois assim era Carlos: exigia amor para si, mas era incapaz de dar amor ao redor. 

Naquela manhã de sexta-feira, porém, Moisés estava decidido a não dar mais chance aos bofetões. E, ao ver a faca na mão do caçula, dona Maria entrou em pânico. 

― Pelo amor de Deus, meu filho! Largue isso, eu te imploro. Teu irmão, com a força que tem, toma essa faca... 


Nisto, Carlos, à porta, gritou: 


― E essa agora? A mocinha quer bancar o macho valentão, é? Pois vou aí enfiar essa faca pelo teu rabo!

E partiu como um louco na direção de Moisés. Dona Maria ainda tentou se interpor entre os dois, mas Carlos arremessou-a contra a parede. Nesse instante, porém, o reflexo de Moisés foi tão rápido quanto sua revolta por presenciar mais uma agressão sofrida pela mãe: desviou-se do soco desferido pelo irmão para logo em seguida cravar-lhe a faca no peito. Era o fim de Carlos, que tombava para trás, como um Golias assustado diante daquele súbito Davi. 

― E o que aconteceu com o Moisés, pai? ― indagou Fernando, com o caderno de notas nas mãos, buscando material para um próximo conto. 
Seu Samuel, nesse instante, suspirou, lembrando daquele dia sombrio: a passagem comprada às pressas, deixando Manaus em um barco rumo a Tabatinga ― e de lá para a cidade colombiana de Letícia ― para nunca mais regressar. Fernando, por sua vez, observando o olhar longínquo do pai, fechou o caderno de notas e foi até a geladeira buscar duas cervejas. Consciente de que, em se tratando de histórias como essas, tão tristes, a liberdade já é um final suficientemente feliz.

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