3° LUGAR – PROSA INTERNACIONAL – CONTO – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"
Nacionalidade sem fronteiras
Joice José Chilaúle – Maputo - Moçambique
Certo dia, estava eu passando por uma rua perto da vila de Marracuene, quando de repente vi um sábio e velho homem, sentado à beira da estrada, com roupa esfarrapada, pedindo esmola. O velho tinha aproximadamente 100 anos. Quando o vi, aproximei-me dele, e ele começou a contar-me sobre sua experiência de vida, desde seu nascimento até a sua velhice. O mais curioso foi quando disse-me que nunca tinha viajado para o exterior, mas o seu linguajar, seu Português, era tão excelente, tanto que no mesmo momento que falava, passavam-me algumas expressões idiomáticas jamais aprendidas. Após a conversa, levei-o para o restaurante, onde almoçamos, e, depois disso, ele me convidou a mostrar-me um lugar.
– Um lugar? – perguntei.
– Sim, minha filha! – respondeu o velho.
– Onde? Que tem?
– Este lugar chama-se: lugar da memória – disse o velho.
– Ohh, está bem!
– É neste lugar onde eu e minha geração guardamos as melhores lembranças do que passávamos conjuntamente. Aqui tocávamos instrumentos musicais, produzíamos utensílios domésticos, partilhávamos ideias comunistas com pessoas oriundas de outras nações, até deixávamos o legado da nossa identidade para os mais novos. Aqui encontra-se nossa cultura, nossa memória-colectiva, que é a língua, e mais.
Como tinha que ir à igreja, despedi-me do velho e segui o meu caminho em direção a ela para onde tinha sido convidada por minha irmã naquela tarde. Ela levou-me à igreja e fui com minha amiga canadense, que viera de férias, e instruíram-me sobre como nos vestir para entrar na mesma. Entrei, vi lá um monte de gente orando, cada um à sua maneira, e, de forma contingente, raças diferentes rogavam pela misericórdia de Deus. Alí era o primeiro contacto da minha amiga com o Português, através de uma oração. Ela conheceu o poder de orar em Português, uma forma de mostrar a liberdade, tolerância e transformação na arte e na educação cívica, religiosa e no geral. Porém o mais engraçado e o que chamou-me atenção foram as pessoas. Lá era tudo diferente, pessoas de diferentes cores, diferentes culturas, e línguas adoravam em uníssono, e bem na porta e ao derredor da igreja havia grupos de pessoas que sorriam e gritavam, davam mãos umas às outras, transmitindo uma ideia de diversidade cultural.
Terminado o culto, saímos para casa. Minha irmã, como já era antiga da igreja, teve que ficar para ajudar nas limpezas e mais. Minha amiga canadense recebeu uma ligação e teve que sair correndo para tratar outros assuntos. Eu regressei sozinha. No meio do caminho, passavam-me na cabeça todas as memórias e emoções do dia especial que tivera e perguntava a mim mesma se tudo que eu tinha visto e vivido era real ou uma imaginação de meus pensamentos. Afinal, ia pensando em como o mundo será daqui a 100 anos, como as pessoas terão desenvolvido sua cultura, como seus ideais irão permanecer e ser valorizados. Pensava num mundo melhor, onde não haverá distinção entre um humano e outro humano, enfim, um Mundo onde perguntar a nacionalidade de outrém não será necessário, pois que todos pertencerão a uma mesma memória, colectiva e culturalmente diversificado.
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