2° LUGAR – PROSA NACIONAL – CRÔNICA – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

 Linha Partida

Luiz Eduardo de Carvalho – São Paulo/SP

Há uma linha na calçada. Uma linha partida, abandonada. Um pedaço entre  duas extremidades. Quase imperceptível. Fio de pipa? Resto de carretel? Uma linha  sobre a calçada. 

Caminho sem pressa, como se, finalmente, não houvesse aonde chegar.  Olho as pessoas que não reparam na linha. Olho para a linha, alheia aos transeuntes,  esticada sobre a calçada, com suas extremidades soltas ao vento. Qual delas estava  presa ao princípio? Qual conduziria ao final? Em que ponto da história estamos? Onde  nos perdemos?  

Nossa geração temeu os cacos do sonho da anterior. Por toda a vida,  evitamos nos cortar nas pontas afiadas daquilo que os que vieram antes de nós não  alcançaram. Ainda desviamos, atentos, daquilo que precisaria concretizar-se. Foi,  nessa atenção de onde pôr os pés, de onde pisar, que me deparei com a linha, como  um sinal, um presságio de que algo fundamental está desconectado. Mas tudo de que  nos esvaziamos nos falta. E ficamos inertes, ouvindo os ecos da vontade  reverberando no vazio de nossa incapacidade de retomar o ponto em que outros  pararam.  

Somos tão mais lúcidos. Estamos mais velhos, mais sábios. Estamos mais  ricos e menos felizes. Estamos em algum ponto entre o início e o fim de uma linha  partida na calçada de um caminho arrancado de nossa origem e que não nos leva ao  nosso destino.  

Mas temos discursos, escassos recursos de nossa imobilidade. Travestimos  de palavras os gestos que não ousamos. Transformamos pela palavra as intenções  que não concretizaremos. Lidamos assim com nossas dores, com nossos  preconceitos, com nossa mesquinharia: vemos, percebemos e falamos a respeito.  Discursos prontos para cada situação: para o menino no farol, para a baleia morta,  para a crise econômica, para os mísseis no oriente, para a globalização desigual.  Miríades de opiniões pré-formatadas e repetidas exaustivamente por infinitas bocas  de mãos atadas. Transformamo-nos em insensíveis comentaristas de nossa precária  situação.

Tratamos tudo como se acontecesse longe o suficiente para não nos afetar.  A chacina no meio da noite foi em outro bairro. O condomínio contaminado por gases  venenosos fica em outro município. A destruição absurda das matas acontece em  outro estado. As guerras, em outro país. Tudo tão longe. E falamos de tudo com a  indiferença e o distanciamento de quem parece ter abdicado de herdar a terra e não  pretende deixá-la a ninguém. Tratamos o planeta como um espólio sem valor.  Deixaremos apenas despojos do que fomos e do que não fizemos sobre os cacos que  não recolhemos. Estamos apenas amontoando o nosso lixo sobre o lixo que nos  deixaram.  

Estamos sem de onde vir, sem para onde ir. Somos, nós mesmos, a triste  imagem da linha partida ao vento, na inalcançável calçada real dos anseios que não  ousamos resgatar.

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