2° LUGAR – PROSA INTERNACIONAL – CONTO – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

De mãos dadas

Patrícia Nogueira Lopes da Silva – Vila Nova Gaia - Portugal


Ela não tinha ideia de como era a vida por trás daqueles altos e densos muros de pedras que cercavam todo o orfanato. Vivia ali desde sempre e não tinha lembrança de nenhuma vida anterior. O orfanato São Francisco era o maior daquela região e assemelhava-se a uma pequena cidade devido a sua grande extensão geográfica e estruturação. Era provido de quase tudo, por isso raramente as irmãs Franciscanas e qualquer uma das internas eram vistas pela cidade. Mas, surpreendentemente, quando ela tinha dez anos de idade, manifestou a vontade de ir conhecer o mar. Por dias insistiu nessa ideia, mas foi logo convencida pela irmã Sabrina, sua acompanhante de quarto, que seria melhor passear pelos jardins do sul do orfanato, onde naquela estação do ano já tinha muitos morangos para colher. Mas a vontade de conhecer o mundo que ouvia dos poucos visitantes e as imagens dos poucos folhetins que chegavam até ela a intrigava. Os pedidos para visitar e conhecer o mundo extra muros do orfanato começaram a ser frequentes. Antes, era todos os anos na época do seu aniversário, agora era quase todos os meses na mesma conversa. A madre superiora Bernardina já manifestava preocupação com aquela curiosidade desenfreada que só Amaralina tinha e se perguntava de que era feito o coração daquela menina diferente. As outras quinze meninas do orfanato contentavam-se com a vida ali no seu interior sem nunca manifestar interesse de conhecer nada além dos seus jardins. Diante de tamanha insistência e aconselhada pela irmã Sabrina, a madre decidiu tomar uma decisão antes que a insistência de Amaralina acabasse por influenciar o comportamento das outras meninas do orfanato. Meses depois e admitindo certa resistência e contrariedade, autorizou um passeio de domingo junto à orla turística da cidade. Não era a melhor época do ano, disse a madre, pois era verão e a cidade estava cheia com turistas nacionais e internacionais. Mas o alerta dado pela irmã Sabrina a deixou aflita, afinal Amaralina já tinha dezessete anos, era a interna mais antiga daquele orfanato e caso não fosse adotada logo, seria obrigada, pelas regras do orfanato, a procurar um emprego.Não seria fácil para uma jovem que nunca havia passado dos muros do orfanato. Esse argumento fez com que a Madre Bernardina abrisse essa exceção. A notícia foi dada no jantar de sexta-feira e todas ficaram muito felizes e entusiasmadas. No domingo, Amaralina foi a primeira a despertar e a acordar todas as suas companheiras. Seu coração batia descompassadamente e era muito mais forte do que qualquer outro no mundo, pulsando felicidade e expectativas. Imediatamente colocou o vestido das missas de domingo e se perfumou mesmo com o passeio previsto para só depois do almoço. Saíram no transporte comunitário às três da tarde com muitas fantasias nos corações. Quando chegaram, a orla estava lotada de pessoas de todas as cores e raças. A madre Bernardina assustou-se e naquele exato momento arrependeu-se da decisão tomada, já prevendo que algo não correria bem naquele passeio com as meninas. Antes de descer do veículo, havia muitas recomendações, mas uma em especial foi muito recomendada: todas deveriam ficar com as mãos dadas! Artifício usado para não se distraírem e perderem-se das demais. E desceram do veículo para conhecer o mundo. Para Amaralina a sensação foi de renascimento. Até o ar tinha outro cheiro, e não era por conta da maresia, era o cheiro da liberdade, da vida viva e do mundo de que ela sabia que poderia participar muito mais do que vivendo por trás dos muros do orfanato. Tinha um sorriso nos lábios de encantamento e os olhos tão arregalados que pareciam saltar das órbitas. Queria ver tudo sem perder nenhum detalhe. Seguia pelo passeio público posicionada à frente do grupo de meninas, todas de mãos dadas, ela as puxando como se fossem perder o trem. Quem passasse por perto daquele grupo ouvia, sem dúvidas, seus corações transbordando alegria.Por trás do grupo, vinham as irmãs Sabrina e outra noviça e também a Madre superiora, todas muito atentas e preocupadas com o ambiente apinhado de turistas.Amaralina seguia pelo caminho liderando o grupo de meninas como se fosse a líder de uma passeata. Seus pés seguiam e pisavam o chão sem ela os sentir, mas seu coração voava. Observava as pessoas, as famílias, o trânsito frenético e animado, a gargalhada gostosa de uma criança e tudo para ela era encantador. De vez em quando olhava para trás para certificar-se de que estava sendo vigiada e a confirmação dessa realidade afastava alguns pensamentos furtivos. Mas quando chegou na avenida principal, de onde se via a praia na totalidade e o mar infinito, azul celeste e sedutor na sua imensidão, não teve dúvidas: largou as mãos das suas companheiras e correu. Uma corrida desenfreada, enlouquecida que era um misto de liberdade e felicidade. Ainda ouviu vozes gritando seu nome, mas foi inútil tentar pará-la. Continuou a correr o mais que pôde e não se cansou até alcançar o final da praia, desaparecendo ao final da grande avenida, junto com o pôr do sol daquela tarde. Ninguém nunca mais a viu. Ela escolheu viver a liberdade das ruas à segurança sem vida do orfanato, onde seu coração batia no vazio do mundo. Esse episódio ficou muito conhecido naquela pequena cidade que nomeou a praia com o nome da órfã fugitiva, hoje transformada em uma grande metrópole. Atualmente, a beleza da Praia de Amaralina, localizada na região sul de Salvador, capital do estado da Bahia, Brasil, é conhecida mundialmente e está presente nas letras de músicas e de poesias de muitos artistas.

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