1° LUGAR – PROSA NACIONAL – CRÔNICA – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"

 Deixa ir... 

Fabiana Rodrigues Carrijo – Catalão/GO

“O tempo ora corria louco, ora tinha eternos  

          minutos.” 

 (Conceição Evaristo – Becos da Memória

O tempo chicoteava como cantiga trazida pelo vento: “Deixa ir!”; “Deixa ir!”;  “Deixa ir!”. A melodia de fora intencionando decifrar a canção trazida em braile por  dentro: “Deixa ir!” As preces misturadas às orações em contas do rosário em um  sincretismo de tudo: de homilia, de sentimentos, de escolhas, de impossibilidades ditando  outra lição: Por que não? Por que não, se parecia tão legítimo? Não era? Deixa ir! Já foi!  Ou nunca esteve? “Deixa ir, menina”! Fecha os olhos, sinta a paz e “deixa ir”!  

Os buracos de si, as ausências de si, a tentativa de compreender a lição promovida,  mas que seu coração não abarcava porque parecia gravado, grafado, embebido em outra  língua – diversa da sua!  

“Deixa ir” – ‘o gosto saudoso da pele’ – pauta sua – clivada, cravada com sentidos  tantos. “Deixa ir” – a fala sussurrando canções ancestrais em ponteiros magistralmente  parados pelo amor que tudo parece reter. 

“Deixa ir” – a vida sua naquele que parte! “Deixa ir” – os sonhos loucos de querer  conhecer e habitar a região dos ‘entre os entre’, do abissal! “Deixa ir” os poemas não  escritos, mas já alinhavados no coração de ambas! Deixa ir – as notas musicais alinhadas e  desalinhando a orquestra distinta das duas pessoas!  

“Deixa ir” – porque já estava farta de viver no ‘quase’ e/ou ‘do quase’. Ela sempre  estivera na eminência do quase: do quase amor, da quase possibilidade, do quase tudo! Ou  seria do quase nada? 

Os sons adocicados de antes ditando a lição do agora: “Deixa ir”! Os becos da  memória paralisando os momentos felizes e tentando luarizar os menos tristes. “Deixa ir”!  O tambor vinha de fora e de dentro dela: “Deixa ir”!

Os sonhos, a alma e a escrita plasmados na iminência do amor. Do amor – amora de  ser; Ou do amor – romã de ser? “Deixa ir!”: a dor, a falta, a escassez, o medo, a  insegurança, os sonhos desvairados e a crença absoluta do sim... “Sim, deixa ir”! Já não  foi? Só não foi para você! Deixa ir, menina! 

Outrora aprendera nas preleções de alguma autora preferida que “Havia a ilusão  para se aguentar viver.” Então, no agora, era preciso/cogente “deixar ir” e o que fazer  para aguentar viver? 

 “Deixa ir” como o voo do pássaro que já perdera a sua companheira e só resta cantar  no linguajar dos passarinhos: “Deixa ir”! “Deixa ir” como a tinta que já não colore mais!  “Deixa ir” como o felino que em pleno auge de caça – transcorridos todos os passos  anteriores – tem que sofrivelmente e paradoxalmente ronronar: “Deixa ir” ! 

 Era imperativo esquecer e dizer: “Deixa ir”! Deixa ir a ingenuidade dos sonhos  infantis que brincavam e faziam arruaça dentro de si! Deixar ir a dor maturada de ser um  ser de ausências! “Deixa ir” o rio contido de si: náufrago dos carinhos daquele que partira!  “Deixa ir” como quem deixa partir o que já se fora há muito! 

 Então, acreditou que deixou ir, porque reter o outro, a presença sempre ausente do  outro, é ainda mais sonhar com a messe insana de colher afetos seus; não mais, nunca mais  possíveis! 

 


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