1° LUGAR – POESIA INTERNACIONAL – VI Concurso Literário "Cidade de Ouro Branco"
Infantes peregrinos
Veronika Ferber Topic Eleuterio – Dubai - Emirados Árabes Unidos
Aqui, corre diferente o tempo
Desloca-se muito
mas não se vai à escola
é um despropósito aprender
Se não sobra nessa vida
dignidade para comer
Nos longínquos caminhos
crianças atravessam o campo castigado
Antes dos seis já aprendem
como manejar e tocar o gado
Seus cajados são seus guias
tocam as cabras todo dia
A relva agora está seca
o perto carece de pastagem
É preciso sair do sítio
esse é o tempo de estiagem
o gado perece
a criança padece
a África sem prece
o Ocidente não se compadece
os anjos de ébano percorrem quilômetros
muitos, não desistem
a missão é sempre uma emergência
não há retorno, deve ser infalível
sem permissão para voltar
fraquejar com o faminto, é desprezível
A esquálida criança e a manada retornam
quando acaba o dia ensolarado
o hepático gramado sumiu, triturado
restaram talvez raízes
Mais um campo aniquilado
E essa incumbência laboral
se repete em cada alvorada
A única fartura no prado agora
é a concorrência darwiniana
Persistir e andar em dobro,
é parte da resiliência
Amanhã irão adiante,
no lusco fusco, o quanto antes
às custas dos pequenos pés
incansáveis miúdos andantes
que tão resistentes lutam por sobras
suas milhagens são aeronáuticas
sofridos pés, que nem têm solas
A branca privilegiada
chora ao ver os meninos
tão pequenos em sua vulnerabilidade
num mundo tão cheio de males
Quais são os problemas de verdade?
O fazendeiro se preocupa se a criança peregrina vai retornar para os braços da mãe?
O motorista do safari ri da caucasiana
quanta ignorância ele acha que ela tem
deve ser uma típica Poliana
Que vulgariza a sorte dos meninos com desdém
De voz grave, enfatiza
que estes que têm uma ocupação
são afortunados na vida
Fatalmente milhões padecem
são poucos os que têm emprego
a fome se impõe, desmedida
E esse vazio nunca dá sossego
O fazendeiro em sua viatura ocidental
traz no saquinho o mísero pagamento
Diz que é só isso mesmo
eles que não peçam aumento
Mas se morrer bicho
o salário é descontado
O menino aprende cedo
que não come, se perder gado
a migalha não compra nem sapato pro pé
a justiça é pros afortunados
o pobre sempre padece
a vida é assim que é.
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