PROSA NACIONAL - II CONCURSO - 2º LUGAR
SEQÜESTRO DA VELHINHA
CELSO POSSAS - NITERÓI /RJPacheco não gostava das segundas-feiras. Acordava lamentando e só ia trabalhar por obrigação. Para ele, até poderiam suprimir esse dia do calendário ou simplesmente considerá-lo feriado ou coisa parecida.
Estava totalmente esgotado. O dia havia sido terrível e ele praticamente trabalhara o tempo inteiro em pé. Nem conseguiu chegar em casa a tempo de ver o Jornal Nacional pela TV. Ficaria, assim, sem saber de novas catástrofes pelo mundo, das dezenas de mortos em tiroteio no “complexo do alemão” e de mais outras importantes prisões de um grupo pela Polícia Federal, envolvendo roubalheira do patrimônio público por amigos do pessoal do Governo.
O barulho do telefone tocando insistentemente acordou Pacheco, completamente arriado em sua poltrona favorita e esperando acabar o horário político na TV, com o som inteiramente desligado. Parecia um zumbi.
• O que é! – Nem disse alô. Atendeu completamente sonolento e a voz totalmente aborrecida. Os olhos não chegaram a abrir de tão pesados.
• O caso é o seguinte , ó meu: Estamos com tua mãe e o pessoal não “ta” a fim de ter muito trabalho com ela. Entendeu?
Pacheco trocou o fone de um ouvido para o outro, endireitou-se na poltrona e perguntou ao sujeito de voz estranha, parecendo sem muita ou nenhuma instrução:
• Não entendi! Qual é mesmo o problema? Com quem deseja falar? – praticamente rosnou ao fone, chateado por ter sido acordado em plena noite de segunda-feira, seu pior dia da semana.
• È com você mesmo! A velhinha “ta” aqui e a liberdade dela vai custar vinte mil. Entendeu:
• Velhinha? – Aproveitou para enxugar a boca. Costumava dormir de boca aberta e até babar, quando tirava suas sonecas na poltrona.
• Sim, meu chapa! Sua mãe “ta” conosco e você vai ter que arrumar vinte mil para ela voltar. Agora entendeu?
• Mas....._ Pacheco gaguejou um pouco, trocou novamente a posição do fone no ouvido e, sem saber direito o que devia fazer, falou, com a voz também enrolada: -- Como vou saber que a velhinha é mesmo minha mãe?
• É a sua mãe, porra! Foi ela que nos deu o número do telefone e pediu para você “tirar ela” daqui o mais rápido possível. “Tá” apavorada e meus companheiros não “tão” muito pacientes. É bom arranjar o dinheiro depressa. – berrou o sujeito, estupidamente.
Pacheco notou a voz agressiva e meio pastosa do sujeito ao telefone e concluiu que estava bêbado ou drogado. Talvez os dois. Voltou à ligação.
• Bem, meu amigo, você sabe que é difícil arranjar dinheiro à noite. Os caixas automáticos só liberam seiscentos reais e não tenho praticamente nada aqui em casa. Aparentava grande ansiedade.
• O “pobrema” é seu, “cumpadre”! – A voz já demonstrava mudança de impaciência para agressividade total. Era um verdadeiro boçal.
• Mas... como vou conseguir o dinheiro? – Pacheco procurava ganhar tempo, com inteligência, enquanto pensava na melhor forma de sair da situação, sem futuras represálias.
• Olha, já “to” de saco cheio, cara! Vou acabar dando um tiro nos “cornos” da velhinha e amanhã você vai achar o resto do corpo numa lixeira, cheia de bichinhos.
• Tudo bem! Tudo bem! – Pacheco mostrava-se mais calmo para não irritar o sujeito ao telefone. Sempre ouviu falar que era preciso ter muita calma nas situações de seqüestro.
O sujeito foi claro e definitivo, enviando as instruções para o pagamento.
• Arruma o dinheiro com seus amigos ai do edifício e vai até a Rodoviária Novo Rio, na área de desembarque dos ônibus e espere no jornaleiro embaixo da escada rolante. Ta certo?
• Mas...... e a mamãe?
• Será libertada dez minutos depois. Fique frio – completou o sujeito, tentando transmitir confiança, mesmo sendo um ladrão vulgar, seqüestrador de velhinhas. – Sabia negociar muito bem! – pensou, com certo orgulho.
Um longo silêncio e Pacheco voltou a falar, com total cinismo:
• Bem, meu amigo, tenho uma proposta diferente para você. _ A voz de Pacheco era tranqüila e aparentava uma calma impressionante.
• Proposta? Que “porra” é essa, meu chapa? – O seqüestrador estava atônito com o rumo da conversa. – O cara “tava” nervoso “prá” burro e agora vinha propondo alguma coisa diferente. Que “tava” havendo? – tentou raciocinar, usando os pouquíssimos neurônios disponíveis.
• Uma boa proposta. – confirmou Pacheco, passando a dominar a situação.
• O que é? – O sujeito ficou completamente diferente, desconfiado
• Dou cinqüenta mil a você se trouxer minha mãe aqui no Leblon.
• Como é que é?
• Isso mesmo! Cinqüenta mil se aparecer com a velhinha aqui na Visconde de Pirajá.
• Mas.... você falou que não tinha como arrumar vinte e agora me oferece cinqüenta mil. “ta” de sacanagem?
• Não! Estou falando sério” Aliás, nunca falei tão sério em minha vida! – a Voz de Pacheco já havia voltado ao tom normal, mostrando um misto de ironia e segu8rança, típica do carioca.
• Pára de brincar, meu chapa! Vou acabar me aborrecendo e vou encher tua velha de bala. Não sabe com que “ta” se metendo!
• Fique tranqüilo! Não estou brincando! Dou cinqüenta mil para trazer minha mãe até o Leblon.
Um estranho silêncio no telefone. O sujeito provavelmente estaria pensando ou confabulando com seu s comparsas. Precisavam analisar o assunto com cautela.
• “Tá” certo! A gente leva a velhinha até ai.........mas tem de dizer porquê você mudaou tanto de posição, cara?
• Muito simples, seu babaca! Se você conseguir trazer minha mãe até aqui, dez anos depois que ela morreu, vai valer os cinqüenta mil.
A ligação caiu, repentinamente.
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