PROSA NACIONAL - II CONCURSO - 1º LUGAR

 TEMPOS.......


JOSÉ SAVIANO DE SOUZA – BELO HORIZONTE/MG

Como habitualmente faço, hoje, ao acordar e ainda na cama, dei um clique no controle da TV.
Ao se abrir a tela, uma sorridente repórter anunciava:
_ “Daqui a cinco minutos, exatamente às 07h45min, começa a primavera, a estação das flores e da alegria.”
“Hoje, dia e noite terão exatamente a mesma duração, é o equinócio.”, completou o co-apresentador.
Mania besta esta de definir, limitar e matematizar tudo, pensei comigo.
Desliguei o aparelho, mas não o pensamento...
No princípio havia o tempo. Um tempo indefinido, de um repetitivo contínuo e dentro dele, o homem, os animais e coisas, muitas coisas.
Sem muito que fazer, esse resolveu brincar com o tempo, dividindo-o em antes e depois. Não vendo utilidade no antes, tomou o depois, dividiu-o, subdividiu-o, agregou partes e estava criado o calendário, do qual passaria a ser refém.
Aquele exatamente revolveu meu cérebro, o que me levou aos tempos de criança, quando as coisa eram aquilo que eu via, sentia ou imaginava.
Tempos em que no meu vocabulário não constavam palavras como outono, inverno, verão ou primavera e exato para mim era apenas o que cabia nos bolsos ou barriga, daí um conceito elástico, sem limites precisos.
O tempo era o do frio, o do calor, o da chuva, o de plantar, o de cuidar e, sobretudo o de colher.
Se a erva secava, as folhas perdiam a cor e as minhas canelas e pés ressecavam e trincavam, era o tempo do frio, eu sabia. Tempo de penar para levantar cedo e de ir ao pasto ainda orvalhado buscar as vacas, mas também tempo de, à noite, assentar-me no rabo do fogão de lenha, comer biscoito frito e ouvir casos e causos, esses, o fermento da imaginação, as asas da fantasia. E como foram importantes aqueles momentos! – Existe ou não assombração? Será que tem bicho deste tamanho mesmo? É possível morar tanta gente num lugar assim? Como é que ele fez para não morrer? – estas e outras dúvidas levavam a perguntas e maquinações sem fim. Tempo de descobertas, de crescimento, tempo BOM.....
Se o sol castigava, era tempo de andar rápido sobre a areia escaldante da estrada para não queimar a sola dos pés descalços, mas era também tempo de nadar pelado no córrego e engolir piaba viva para aprender nadar. Tempo de aprendizagem, de derrubar mitos, tempo de CRESCIMENTO.......
Quando chegava o da chuva, este trazia o medo do raio e do travão, mas também o prazer de arrancar minhoca, pegar o anzol e aproveitar a água suja para fisgar os bagres assanhados pela enchente. Tempo de adaptações, de superações, de vitórias sobre a natureza, tempo SAUDOSO...........
Havia um tempo que era de alegria para adultos e crianças. Para os primeiros, tempo de preparar a terra, semear, cuidar da plantação e ficar na expectativa do fruto. Para as crianças, o verde macio da folhagem renovada e o agradável cheiro das flores era sinal de frutas abundantes e saborosas no campo e no cerrado. Era um tempo colorido e musical. Brindava a vista com uma profusão de cores e os ouvidos com uma suave sinfonia que ia do farfalhar suave das folhas novas e macias ao vento, passando pelo zum-zum;zum dos insetos até a algazarra da passarinhada em festa de acasalamento. Tempo de andar com o nariz arrebitado, inalando fundo cada perfume e sentindo antecipadamente o sabor que ele anunciava. Do quintal, vinha o cheiro da limeira, da laranjeira, da macaúba e da mangueira, numa gradação sutil e agradável. No campo o caju era o rei, sua floração era pressentida à distância enquanto a da mangaba só se deixava perceber bem de perto e pela manhã. Tempo de PRELIBAÇÃO...........
O cerrado era nosso pomar, concentrava quase tudo que se podia comer de frutas silvestres. Difícil às vezes distinguir os cheiros. Ali, no campo aberto ou de transição, imperavam a pitanga, a quina, o pêssego, o figo e o caju. Acolá, no mais fechado e sombreado, se achavam o bacupari, o araticum, a mama-cadela, o pequi, o araçá, a goiabinha, a gabiroba e outros que a memória já não consegue retirar do baú das lembranças. Tempo DELICIOSO..................
Enquanto qualificava assim o tempo, veio-me à memória o que diz o autor do livro de Eclesiastes: “Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.”
Mas quem controlaria esse tempo?
O homem arrogou a si o direito.
Controla o tempo de nascer e quer determinar quem e o que pode vir à luz. O tempo para morrer ainda lhe escapa ao domínio, mas tem buscado adiá-lo não só ampliando o tempo de curar, o que é louvável, mas até administrando o tempo para matar, com o pretexto de preservar a saúde e evitar a morte.
Se há um tempo para plantar, e um para arrancar, este tem prevalecido sobre aquele. Arranca-se sem critério e até sem necessidade, ao passo que se planta em beneficio de segmentos privilegiados.
Do tempo de derrubar e do de edificar também se tem abusado. As derrubadas enquanto beneficiam uns poucos, prejudicam a maioria. As construções não raro expressam poder, ostentação e megalomania, ao invés de simplesmente suprir uma necessidade do ser humano.
Tempo de DESOLAÇÃO?
Nem pensar!
O autor bíblico prevê também um tempo para ficar calado, e um para falar.
Hoje é tempo de saber que não se vive fora do tempo, que o tempo, apesar de poder ser mensurado, quantificado e qualificado não obedece a critérios matemáticos.
É tempo de deixar o conformismo, tempo de falar, de gritar.
Exatamente tempo de DENUNCIAR.....

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